PET Nutrição
Gordura trans: mitos e verdades
por Juliana Nicolodi Souza
O aumento no consumo de industrializados levou a indústria alimentícia a buscar formas de tornar os alimentos mais palatáveis e com maior vida útil. A gordura hidrogenada, que contém gordura trans, foi então inserida no mercado e hoje compõe uma diversidade de produtos. Mas antes de entender melhor a gordura trans, é necessário conhecer alguns conceitos importantes:
O que são gorduras saturadas e insaturadas?
Bioquimicamente, são moléculas que diferem na presença ou não de ligações duplas entre os átomos de carbono. Nas saturadas, existem apenas ligações simples, enquanto que nas insaturadas, uma ou mais ligações duplas (NELSON, COX, 2014).

Mas como isso interfere na conformação da gordura?
Alterando a estabilidade oxidativa da molécula. As ligações duplas presentes nas gorduras insaturadas são responsáveis por torná-las líquidas em temperatura ambiente (como os óleos vegetais), enquanto que as saturadas normalmente permanecem sólidas (como a manteiga, a gordura do coco e das carnes) (NELSON, COX, 2014).
E foi com o intuito de tornar óleos vegetais mais estáveis e melhorar sua palatabilidade e textura que a indústria alimentícia criou as gorduras vegetais hidrogenadas, que contêm gordura do tipo trans. A hidrogenação consiste em um processo de adição de moléculas de hidrogênio na dupla ligação entre as moléculas de carbono, resultando em uma cadeia mais linear que garante um produto mais estável, uma vez que aumenta seu ponto de fusão ao reduzir o grau de insaturação (SILVEIRA, 2011). O contraponto é que durante o processamento, a mudança na estrutura molecular também altera a configuração das ligações duplas que restaram, convertendo-as de cis (presente nas moléculas de ocorrência natural) a trans. O grau de hidrogenação (total ou parcial) indica a probabilidade de o ingrediente ter ou não gordura trans (maior na parcial, quando restam ligações duplas) (HISSANAGA, PROENÇA, BLOCK, 2011).
Apesar da maior estabilidade oxidativa e da vida útil mais longa que a hidrogenação permite, são gorduras plásticas, ultraprocessadas e que contêm inúmeros aditivos químicos. Só esse argumento já bastaria para evitar seu consumo, mas quando surgiu, a indústria a vendeu como uma alternativa saudável às gorduras saturadas, que promovem o aumento de LDL (colesterol ruim), relacionado com maior risco de doenças cardiovasculares (SILVEIRA, 2011; HISSANAGA, PROENÇA, BLOCK, 2011). Com novos estudos observou-se que, na verdade, a gordura trans presente na gordura hidrogenada era responsável não só por aumentar o LDL (colesterol ruim), como a gordura saturada, mas também diminuir o HDL (colesterol bom), resultando em uma opção pior do que a que pretendia substituir (SILVEIRA, 2011; HISSANAGA, PROENÇA, BLOCK, 2011).
A indústria de alimentos mobilizou-se então para encontrar uma nova forma de tornar óleos vegetais gorduras sólidas, através da interesterificação, um processo que altera a posição dos ácidos graxos na molécula de gordura e que teria a vantagem de não gerar o isômero trans. Contudo, as consequências do seu uso ainda não são bem definidas e estuda-se um possível aumento da glicemia e diminuição do HDL, também não sendo uma boa opção (HISSANAGA, PROENÇA, BLOCK, 2011).

Mito ou verdade?
Margarina é gordura hidrogenada.
DEPENDE. A composição das margarinas varia de acordo com a marca, portanto algumas podem ser e outras não. Quando são, normalmente são gorduras parcialmente hidrogenadas que não atingiram o maior grau de saturação. No mercado esses produtos já existem na versão interesterificada, livre de trans, mas que ainda suscita dúvidas sobre possíveis riscos à saúde como já mencionado. Outros produtos a que se deve atentar são os sorvetes e bolachas recheadas (HISSANAGA, PROENÇA, BLOCK, 2011). Lembre-se sempre de ler o rótulo, pois são utilizadas diferentes denominações para designar gordura vegetal hidrogenada, como creme vegetal, margarina, gordura vegetal, etc (SILVEIRA, 2011).
A alegação “zero trans/sem gordura trans” é confiável.
MITO. Segundo a RDC n° 360, de 2003, essas alegações podem ser feitas em todo alimento que apresentar teor de gordura trans menor ou igual a 0,2g/porção (BRASIL, 2003). Considerando a RDC n° 359, de 2003, que dispõe sobre as porções, segue um exemplo que demonstra como é possível e fácil encontrar esta “brecha técnica”.
Uma porção de biscoito equivale a 2,5 unidades (BRASIL, 2003). Ou seja, se em 2,5 biscoitos não se atingir 0,2 gramas de gordura trans, o fabricante pode alegar que o produto é zero trans. Você comeria só 2 biscoitos e meio? Provavelmente não. E a quantidade, 0,2g/porção é pequena? Talvez sim. Mas o consumo crônico e camuflado em diversos alimentos representa um risco à saúde.

Existe gordura trans na natureza.
VERDADE. A bio-hidrogenação é um processo realizado por ruminantes em que ácidos graxos cis ingeridos são parcialmente hidrogenados por sistemas enzimáticos da flora microbiana presente em seu rúmen. Há produção de um isômero trans natural, o Ácido Linoleico Conjugado (CLA), presente em carnes, leites e derivados, que é associado a benefícios à saúde, como redução de gordura e estímulo à massa magra (HISSANAGA, PROENÇA, BLOCK, 2011).
Fritar em altas temperaturas pode gerar gordura trans.
VERDADE. A fritura em altas temperaturas e/ou muito prolongada pode gerar ácidos graxos do tipo trans (HISSANAGA, PROENÇA, BLOCK, 2011). O ideal é utilizar óleos que tenham um ponto de fumaça alto, ou seja, que demorem mais para queimar ou se degradar. Exemplos são o óleo de girassol e óleo de soja (não transgênico) que são mais resistentes a altas temperaturas, como no caso da fritura. Uma dica para identificar se o óleo atingiu o ponto de fumaça é observar quando há formação de espuma, fumaça e/ou escurecimento. Lembrando que o ideal é que a fritura seja sempre contínua (não aqueça e reaqueça óleos) e que não ultrapasse 180°C (DOMENE, 2011).

Referências
NELSON, David L.; COX, Michael M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
SILVEIRA, Bruna Maria. Informação alimentar e nutricional da gordura trans em rótulos de produtos alimentícios industrializados. 2011. 157 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Nutrição, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
HISSANAGA, Vanessa Martins; PROENÇA, Rossana Pacheco da Costa; BLOCK, Jane Mara. Ácidos graxos trans em produtos alimentícios brasileiros: uma revisão sobre aspectos relacionados à saúde e à rotulagem nutricional. Revista de Nutrição, [s.l.], v. 25, n. 4, p.517-530, ago. 2012.
BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 2003 26 dez.
BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 359, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico de porções de alimentos embalados para fins de rotulagem nutricional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 2003 26 dez.
DOMENE, Semiramis Martins Alvares. Técnica Dietética: teoria e aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 350 p.